Olhos negros

Passo a passo, tento a tento,
a vida segue seu tranco
pelos fundões desses campos
que São Pedro apadrinhou...

O tempo passa de manso,
os homens passam depressa,
mas a história fica impressa
no itinerário do pampa;
Às vezes escrito a suor,
às vezes escrito a sangue,
sangue nosso, sangue quante
que a história derramou.

Onde ficou a verdade
nessas incertas volteadas
que a saga humana trilhou?

Onde ficou a ternura,
o sonho de liberdade?
Talvez tenham se extraviado
nos labirintos de morte
que o fio da espada criou.

Os homens seguem cegos seus caminhos,
os fins justificando meios vis,
a morte a engordar seus pergaminhos
e os meios nos levando rumo ao fim.

Mas, num misto piedade e revolta,
dois olhos negros miram de longe,
sem ninguém notar...
Acima dos montes, além das cumeeiras,
das copas frondosas das grandes figueiras
dois olhos contemplam buscando entender:
"- Já faz tanto tempo..."

"- As sangas tão puras, os rios, as vertentes,
os peixes, as flores, o cio das sementes
brotando da terra num rito de paz.
Um pampa tão vasto, um solo tão fértil,
a enxada na terra plantando o sustento,
a vida brotando na luz de um rebento
e os homens unidos por seus ideais."

"- As aves planando, a chuva caindo,
o sol despontando, pessoas sorrindo,
o vento soprando mensagens benditas
nos ranchos das vilas, nos fundos dos campos,
a noite luzindo por seus pirilampos,
o dia abençoando as coxilhas de luz."

"- Onde está este mundo que sonhei...
Onde estão a pureza e o amor?
Será que sucumbiram no veneno das águas?
Será que murcharam na agonia das flores?

Talvez tenham partido no suplício dos ventos
que ecoam tristezas e soluços de dor."

"- Talvez o tempo dos homens
não tenha mais luz que suas próprias ações.
Talvez as suas pegadas se encontrem marcadas
na frieza dos seus corações."

"- A terra gemendo a solidão da enxada,
campeiros entregues ao rigor das vilas;
Velhos morrendo na ilusão das filas,
os índios atirados nos beirais da estrada."

"- O homen teve arbítrio e impiedade
ao riscar os seus mapas e verdades,
a frieza de impor a sua vontade,
a maldade de pisar seus iguais
nos rastros desse povo retirante,
a realidade crua dita os traços
em cada rosto uma feição de sombras
vagando cega entre os temporais."

Densos, profundos feitos a madrugada,
dois olhos negros se quedam a chorar...

Mas o que se vislumbra além do cerro,
além do temporal, da cerração?
O que floresce luz liberdade
além do ventre vil da escuridão?
Dois olhos negros antes tristes, turvos,
se inundam de doçura e esperança,
mirando os lábios de um sol de primavera
beijarem um semblante de criança.

Era a chave, a razão, o elo perdido
surgindo na inocência de um menino,
era o avesso das dores sem sentido,
era a ternura sufocando os desatinos.
O homem pode recriar o seu destino,
basta vontade e coragem de tentar,
pois cada um tem o direito de buscar
a mesma paz do coração dos pequeninos.

E o tempo segue ao dobrar dos sinos...

Dois olhos negros seguem na vigília
além do manto destas sesmarias,
com profundezas de encantar os dias
e prantos doces de inundar coxilhas.

A esperança é um anjo que flutua
calando a solidão da noite escura.
Está no moço que sonhou nas ruas,
está em dois olhos muito além da lua.

Dois olhos negros plenos de ternura
feito a criança que o sol beijou!!!

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