A culpa é tua

Se não estás aqui não tenho culpa,
Mas se eu estou aqui, a culpa é tua!
Não soube dos teus trancos e teus sonhos,
Nem lembro dos teus passos pelas ruas.

Não respirei teus medos e silêncios,
Nem tive o teu rosto em minhas mãos...
Não sei a dimensão dos teus momentos
Mas trago, a me levar, teu coração!

O nó da minha garganta desatou-se
Logo depois que tua voz calou-se...
Eu não sei onde nem por que razão.

Se não estás aqui, não tenho culpa,
Mas se eu estou aqui, a culpa é tua!
Se hoje sigo meus trancos e meus sonhos,
Se ainda gasto passos pelas ruas.

Te foste, mas ficaste, simplesmente,
Na minha vida, entregando mais que o bem;
Navegando no olhar de um outro alguém,
Que há pouco só mirava escuridão...
Te indago com espanto e com respeito:
Bem mais que o sangue pulsando no meu peito,
Qual o tamanho do teu coração?

Em algum canto, um pai, sem ar, em uma cama...
Em outro, as sombras de uma mãe em dissabor;
Os filhos pela volta, cabisbaixos,
Impotentes, mesmo tendo tanto amor.
Logo adiante, um piá contava as horas
Vendo seu sangue circular por um motor!

Daí a pouco, o terror de uma tragédia,
Uma vida que acabara sem querer;
A pior dor pesando a cruz de uma família,
Em seu calvário, carregado de sofrer...
Bendita luz de Deus, que nunca cega!
Pois a dor, em doação, se fez entrega
E dessa morte outros puderam renascer!

É o milagre da vida que veio através de ti,
Pelos frutos dessa entrega que semeaste por aí...
No pai que passa, risonho, trazendo o filho no colo,
Na mãe que enxerga suas crias brincando frente aos meus olhos...
No piá que corre faceiro, tenteando algum bem-te-vi!

O coração é um órgão
De carne e pulsação...
Que se transforma em poesia
No ato da doação.
Pois quando se doa um órgão
Se tem a exata medida
Que o amor que plantamos
É bem maior que esta vida.

Se não estás aqui não tenho culpa,
Mas se eu estou aqui, a culpa é tua!
Também por outros, com seus trancos e seus sonhos,
Também por outros, com seus passos pelas ruas.

Bendita seja a família que respeitou tua vontade...
Bendita história de alguém que soube amar de verdade
E entregou esse amor em forma de doação!
Te indago com espanto e com respeito:
Bem mais que o sangue pulsando no meu peito,
Qual o tamanho do teu coração?

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