O corajoso

Voluntário! Falou. Não disse o nome,
mas não foi esse o apelido que ficou...
Os nervos de aço, os braços de tarumã,
grandes olhos negros feito a própria guerra
e uma compulsão indescrível pelo incerto,
pois incerta é a cruz de um voluntário.

Voluntário! Foi o que disse na tarde derradeira...
Um piquete, um coronel, um ideal,
o lenço rubro a incendiar no peito
e o fio da espada a prenunciar o mal.

Na soleira um beijo na prenda
e um abraço em cada um dos filhos...

A vida é assim, pensou, existem coisas
que um macho deve encarar de frente...
Então deixou seu rancho, sua gente
e partiu, seguindo cego o coronal.

A marcha já durava mais de um mês,
seguindo firme a desenhar estradas;
Arroios, banhadais, minuano, geada
e um que outro tilintar de aço.

O julho cortava firme com sua lâmina de frio
e mais fria ainda ficaria aquela tarde,
pois na beirada de um capão antigo
uma tocais lhes tomou a vez.
A saraivada de chumbo fez morada
na tez morena dos de lenço rubro...
dali a pouco o aço, a cavalhada
e uma carga, descendo o coxilhão.

O coronel, cavalo morto, resistia
honrando o sangue corrente em suas veias,
mas a tocaia é uma imensa teia
que enreda até o mais valente ser.

Seis para um era a conta da peleia,
conta brutal que o resultado é a morte...
Mas, de a cavalo, "inda" brigava um forte,
fazendo carga contra o fogo algoz.
Era ele sim, o voluntário...
Aquele que deixou sua família
para se embretar no ventre da guerrilha
atrás e um sonho que julgava seu.

Meio de susto avistou o líder
já acuado, quase sem defesa,
enquanto a corja afiava as presas
pra o banquete do festim mortal.

De repente um grito, um turbilhão,
ecoando no lugar, feito um trovão
de um tempo feio que tomasse o céu...
O fio da espada se tornou arado
lavrando a carne desses seis covardes
que se perderam, sem achar quartel;
E então, num galope alucinado
disparou pelo lançante o voluntário
levando na garupa o coronel.

Herói de guerra se fez voluntário,
e em outras tantas batalhas se esmerou...
Uma esquiva, a dor de um golpe seco
e outro corpo que se ia ao chão.

Corajoso, lhe chamavam os parceiros,
Corajoso, sim, pela bravura
de fazer brilhar por essa história escura
o sol maduro da honradez e de valor;
Numa outra tocaia traiçoeira
prisioneiro caiu, foi resgatado
por outro índio de igual tutano
antes que a "criolla" lhe mostrasse a cor.

Muitas lutas travou o corajoso,
por tantas cargas, machucando o pasto...
Mesma firmeza no semblante gasto,
mas já cansado de viver assim;
Até que um dia a rosa pálida da paz
desabrochou nas agruras dessa terra,
e a rapinagem, o furor da guerra
nesse momento, chegou ao fim.

Então se foi o Corajoso, rumo ao rancho,
buscando o alento e a fé de sua "flor"...
"De que tamanho já estarão os filhos?"
"Será que o campo continua verde?"
Tantas perguntas de quem tem saudade
e não se agüenta para poder voltar.

Queria um mate, uma prosa, uma ternura
e os olhos mansos da mulher amada...
Queria tudo o que perdeu na estrada;
Queria a chance de achar guarida;
Chegou então o corajoso ao pago...
Encontrou o rancho abandonado
e quatro cruzes repousando ao lado,
braços abertos como em despedida...

E então, percebeu o voluntário
que este foi o saldo do inventário
dessa coragem que mostrou na vida!!!

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