Do que falam os sonhos

Suspira a folha amarela
De um caderno envelhecido,
Como buscando respostas
Que ninguém mais encontrou;
A pena pulsa na mão,
Ansiosa, encabulada,
Navegando a madrugada
Onde o poeta chorou.

Suspira a alma do poeta
E transborda em seu olhar...
Buscando a flor mais preciosa
No seu jardim de ilusão;
Que estranho labirinto
Entre o viver e o criar,
Ao tentar dizer em versos
As coisas do coração.

O minuano desatina
Com suas lâminas de frio...
A pena é um pássaro errante
Querendo ganhar o céu.
Mas o poeta é prisioneiro
Do seu próprio desafio...
E outra lágrima faz rio
No amarelo do papel.

O poeta dorme afinal,
A pena foge da mão...
O tema não despontou,
O poema não despertou,
O papel caiu no chão.

E os olhos fundos do poeta
Singraram a escuridão.

Mas do que falam os sonhos
Quando se ausenta a razão
E a alma navega livre
Mirando mais que o olhar?
Mas o que contam os grilos
Quando as tristezas se vão
E aflora o sonho mais lindo
Pra quem quiser enxergar?

Do que falam as estrelas
Nessa noite sem luar?
O que cochicham as almas
Que vagam nesse rincão?
Será que a alma do poeta
Se encontra nesse lugar,
Ou será mais uma estrela
Luzindo na imensidão?

Ninguém sabe, ninguém viu,
Mas de repente o estio
Se tornou inundação
Do mais bonito dos rios.

A alma agora é vertente,
É paixão, é ventania...
É a palavra mais fluente
Num grito de rebaldia.
Fala de terra, de gente,
De tudo o que vale à pena...
A alma se fez um sonho
E o sonho mostrou o tema.

O poeta então despertou
Num misto espanto e sorriso...

Buscou a cena caída,
Que repousava, tão só,
E o papel amarelado
Manchado de pranto e pó.
Deixou a alma falar
E contou coisas tão simples,
Tão difíceis de enxergar.

Falou de um homem, plantando
Após a safra perdida...
De um velho, se levantando,
Depois da queda sofrida.
De corações se encontrando
E de um ventre carregando
Mais um milagre da vida.

Falou de alguma milonga
Dedilhada num galpão,
Quando a alma do campeiro
Era luz e inspiração.
Contou que o sonho é uma ponte
Que cruza o rio no horizonte
Pra quem se faz coração.

Falou de ranchos pequenos
E de porteiras abertas...

De mãos erguendo moradas,
De mães soprando acalantos
No ouvido manso dos filhos.

Falou do sol, ressurgindo
No meio dos temporais,
De alguém, num palco de guerra,
Entoando um hino de paz.
Falou do rosto da moça
Que transbordou num sorriso
E fez da alma do moço
Um canto do paraíso.

A alma se fez um sonho
E o sonho mostrou o tema...

Falou de coisas tão simples,
Dos desejos mais comuns...
Daquilo que o tempo inscreve
Na saga de cada um.

Falou de coisas tão simples,
Tão difíceis de enxergar...
Assim o tema jorrou
E inundou o papel.

Os olhos fundos do poeta
Se afundam, em despedida,
Pela noite mais bonita
Que a poesia iluminou.

Será a flor da poesia
Delírio de um sonhador?
Será o tema um espelho
Das fantasias da alma,
De alguma ânsia escondida?

O tema veio num sonho,
No maior sonho de amor...
O tema veio num sonho,
Um sonho chamado vida!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário